"Vendem fotografias para comprar sorriso de alunas" Jornal de Notícias

"Não vou embora do Cerco sem conseguir aquilo que quero". Antonieta Ribas é professora na Escola do Cerco, no Porto, e quer ver as suas alunas sorrirem sem vergonha. Sem precisarem de tapar a boca com as mãos para esconder a deterioração dos dentes. A docente de Educação Visual e o professor de Educação Física, Mário Martins, decidiram vender as fotografias, que fizeram nos últimos anos, para pagar tratamentos dentários a duas adolescentes carenciadas. As imagens estão em exposição, até hoje, no auditório da Junta de Freguesia de Campanhã. "As miúdas [de 13 e 14 anos] estão traumatizadas, pouco falam. Uma precisa de uma reconstituição total porque não tem quase dentes nenhuns. A outra têm alguns, mas muito podres", explica Antonieta Ribas, docente na Escola do Cerco desde o início do ano lectivo. Nos nove anos de profissão, a professora já passou por estabelecimentos de ensino "igualmente complicados" (Vila d'Este e Santa Marinha em Gaia, e Pêro Vaz de Caminha, no Porto), mas é a primeira vez que decide angariar fundos para levar alunas ao dentista."Já entrámos em contacto com o Centro de Saúde, mas ali só lhes fazem o tratamento de cáries", esclareceu, ainda, Paula Cruz, professora de Português, também envolvida na organização da mostra "Contraste Valores". Entre os 5 e os 50 euros"Contraste" porque as imagens de Antonieta são a preto e branco e as de Mário Martins a cores. "Valores" pela causa que os docentes apadrinharam. As fotografias (com preços entre os cinco e os 50 euros) captam um pouco de tudo. Recantos e paisagens do Porto e da aldeia de Pópulo, em Murça (Alijó), terra natal de Antonieta."Nas férias, na aldeia, passo sempre pelos mesmos sítios e encontro sempre coisas diferentes para fotografar", conta a professora, licenciada pela Faculdade de Belas Artes.Os dois docentes têm em comum a paixão pela fotografia e resolveram dar-lhe uma utilidade social. "Antes de sermos professores temos de ser muitas outras coisas", desabafa Antonieta, recordando o dia em que conseguiu desviar uma aluna da prostituição. "Ajudei-a e ela hoje tem um emprego e estuda à noite. Continuo a acompanhá-la de perto", conta a professora.

Dificuldades no ensino

A Escola do Cerco, localizada no bairro com o mesmo nome, acolhe, sobretudo, alunos com contextos sócio-económicos complicados. As dificuldades de aprendizagem e de ensino são muitas e as professoras que o JN encontrou contaram apenas algumas experiências. Por exemplo, o facto dos pais não permitirem que os filhos requisitem livros na biblioteca. "Não deixam porque se eles os perderem têm de os pagar", refere Paula Cruz. A solução, acrescenta a docente de Português, é ser o professor a requisitar os livros e a distribuí-los pelos alunos na sala de aula. "Tenho mais de 50 livros requisitados na biblioteca", assegura. Por outro lado, continua Paula Cruz, "aqueles miúdos são capazes de fazer coisas incríveis. Basta confiar neles e mostrar-lhes que estamos do seu lado".

(Inês Schreck)

(foto de Adelino Meireles)

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